(1)
Mais tempestade de neve neste que é um dos invernos mais frios dos últimos anos em Nova York. Até sexta-feira de noite, especialmente em Manhattan e mais ao norte da cidade, as ruas devem ficar tomadas com aquela mistura de neve com água da chuva que torna tudo tão mais feio e escorregadio. De acordo com a meteorologia, e de acordo com minhas expectativas, a sensação térmica começa a melhorar a partir do fim de semana, com as máximas chegando ou se aproximando dos positivos.
(2)
Enquanto esperava dar o horário de encontrar um casal de amigos para jantar no Chelsea anteontem, passei o tempo na Barnes & Noble da Union Square. Peguei o livro Dog Songs, de Mary Oliver, e sentei-me no chão, junto de algumas crianças que estavam perto da seção infantil da livraria, para folhear a obra. Os poemas, bastante simples em sua estrutura, alguns deles ilustrados, me emocionaram e me fizeram lembrar do meu cachorro em São Paulo.
Lembrei-me também de uma frase muito boa sobre cachorros de um texto de 2004 intitulado “Man Blames Dog”: Pity the poor dog. In this time of heightened fear – of drugs, of bombs, of the things we humans might do to one another – man increasingly asks so much of him.
Por fim, me recordei também de uma das melhores descrições que já li sobre um cachorro e do processo de percepção do mundo a seu redor. É do Bruno Schulz e está no livro Lojas de Canela. Transcrevo abaixo.
O cachorrinho era de veludo quente e palpitante com um pequeno e apressado coração. Tinha duas macias pétalas de orelha, olhos azulados e turvos, um focinho rosado, em que se podia colocar o dedo sem nenhum perigo, patinhas delicadas e inocentes com uma comovente verruga cor-de-rosa em cima e detrás das patas dianteiras. Com elas entrava na tigela de leite, guloso e impaciente, sorvendo o líquido com a língua rosada; saciada a fome, levantava tristemente o focinho com um pingo de leite no queixo e retirava-se, todo desajeitado, desse banho lácteo.
[…]
Late, mas a significação desse latido mudou, ele se tornou despercebidamente sua própria paródia — desejava exprimir, no fundo, o sucesso inominável dessa extraordinária empresa da vida, cheia de coisas picantes, frêmitos e desfechos inesperados.
Tudo muito bonito, Bruno Schulz, mas ao passo que eu me lembrava de tudo isso, e com um livro que não era deste autor em mãos, me viro para o lado e o que encontro? Um camundongo, minúsculo e simpático, tal qual Fievel em sua jornada por sobrevivência, me encarando, quase de pezinho, no chão acarpetado de uma das maiores livrarias da cidade. No meu primeiro e menor movimento para sacar o celular e registrar aquela imagem, ele parte correndo, na mesma “extraordinária empresa da vida, cheia de coisas picantes, frêmitos e desfechos inesperados”.
(3)
Li no New York Times de ontem uma história curiosa sobre Shirley Temple, que morreu esses dias. Em 1938, aos 10 anos de idade, a queridinha da América foi convidada a um piquenique na mansão do presidente Franklin Roosevelt, em Hyde Park, NY. Além de ter se recusado a nadar com Eleanor (“meu cabelo não pode molhar”, disse a menina), causou comoção entre os agentes responsáveis pela segurança do casal mais importante dos EUA. Tudo porque ela deu uma estilingada no traseiro da primeira-dama enquanto esta se curvava para fritar hambúrgueres na churrasqueira. O jornal faz uma importante observação: “Justin Bieber did not invent the role of the misbehaving young superstar”.