Goethe conhecia muito bem a natureza humana. Difícil dizer se foi o gênio — esse “quase mito” tipicamente romântico-germânico — ou o contato com os homens eminentes do passado e do presente que lhe trouxeram esse conhecimento.
O fato é que os dois versos a seguir estão entre os mais densos, os mais ricos em sentido da sua obra:
Ein guter Mensch, in seinem dunklen Drange,
Ist sich des rechten Weges wohl bewußt (Faust I, 328-329).
“Um bom homem, por obscura que seja sua luta / Está ciente de que há apenas um caminho correto” (trad. livre).
Com isso Goethe revelava duas coisas: que o homem tem a sua liberdade limitada pelas circunstâncias e pela sua consciência (um duplo ‘obstáculo’, interior e exterior, mas sempre redutível à realidade); e que mesmo assim está dotado da prudência — ao menos sob a forma do dever — para decidir corretamente, mesmo que erre por algum motivo alheio ao seu controle.
Aí a tragédia e a esperança que rondam o coração do homem. Não à toa a sua obra da juventude, o “Werther”, traga já nas suas primeiras linhas a pergunta/afirmação: Bester Freund, was ist das Herz des Menschen!, que é o coração humano!
Goethe. Nice shot, man.
Boa aproximação do “Fausto” e do “Werther”. Lembra por exemplo o livro de Jeremias, 17, 5-10, uma daquelas milagrosas passagens bíblicas sobre os dois caminhos. Engraçado que a palavra “coração” naquela perícope, no hebraico (“lev”, informam os que conhecem) remete ao que entendemos por “mente”; os “rins” de Jer 17,10 é que têm a ver com o nosso “coração” emotivo. Juntando as pontas, o coração “incurável” (“quem poderá conhecê-lo?”) de Jer 17,9 é precisamente o que desvirtua sua capacidade de conhecimento e se afasta do “caminho correto”. No link a seguir, três parágrafos muito sumários onde aparece menção aos paralelos bíblicos no “Fausto”, parece que mais de 200: http://www.jewishvirtuallibrary.org/jsource/judaica/ejud_0002_0007_0_07461.html