O Vício da Guerra

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O que mais impressiona em The Hurt Locker (no Brasil foi traduzido como Guerra ao Terror, um título para espantar qualquer um) é o modo como a diretora Kathryn Bigelow escolhe apenas mostrar uma situação extremamente perigosa, e evita qualquer comentário ideológico. No caso, a situação é a seguinte: o filme acompanha os últimos 38 dias de uma unidade de desarmamento de bombas que tem de atuar no Iraque. Todo dia esses sujeitos têm de matar um leão – e ninguém sabe se vão escapar ilesos.

Bigelow é uma mulher, mas poderia ser considerada um Howard Hawks de saias. Os integrantes da unidade têm conflitos entre si e são liderados por um capitão – uma interpretação soberba de Jeremy Dennmer – que certamente tem um parafuso a menos na cabeça. Contudo, o espectador descobre que o que falta de razão sobra em sentido para esses soldados. Para eles, a guerra não é apenas um vício – é a força que dá sentido às suas vidas.

Outro detalhe que The Hurt Locker mostra com precisão é a inventividade do terror. Os soldados americanos são impotentes perante as mais diferentes formas com as quais os terroristas conseguem cumprir os seus propósitos – do uso de bombas até a manipulação de inocentes. Bigelow deixa claro que esta é uma guerra que já está perdida, já que o Exército não consegue impedir a malícia mutante da maldade. O climáx do filme, durante o qual tentam salvar um iraquiano que desistiu na última hora de ser um homem-bomba, é desalentador e me fez lembrar os momentos finais de Full Metal Jacket, de Stanley Kubrick, cujo comentário sobre a guerra do Vietnã era igualmente pessimista.

Assim, quando o espectador vê os dez minutos finais, que se passam fora do local do combate e apresentam uma possibilidade de vida normal que será descartada dentro de instantes, podemos achar que se trata de uma loucura. Mas Kathryn Bigelow mostra justamente o contrário: ao vermos o soldado indo de encontro ao seu provável fim, sabemos ao mesmo tempo que ele alcança, naquele momento, a vida justa que Rilke sempre pediu em um de seus versos – a vida justa que se consegue somente com uma morte justa.

8 comentários em “O Vício da Guerra

  1. Martim,

    Assisti ontem ao filme alemão “A Onda”. Fiquei muito bem impressionado. Você ou algum outro comentarista da Dicta chegou a comentar esse filme?

  2. Caro Wagner:
    Assisti ao filme quando estreou nos cinemas. Achei-o bom e só – na minha opinião, ele é excessivamente didático ao retratar a psique da “rebelião das massas”; e didatismo é o pecado maior para quem se dispõe a realizar uma obra de arte.
    Abraços
    Martim

  3. Martim,

    Não me julgo competente para analisar esse filme artisticamente, mas achei interessante a tese exposta que parece colocar como causas principais da possibilidade de emersão de um regime totalitário o niilismo existencial, o relativismo moral, famílias desustruturadas, consumismo desenfreado, baixa auto-estima e hedonismo (muito sexo, drogas e rock’n roll). Essas causas parecem, no filme, muito mais contundentes do que miséria, inflação alta, desemprego, etc normalmente apontados para explicar o fenômeno fascista.

    Na verdade, espantei-me com o não rechaço dessa tese – tão pouco atraente para o pensamento ‘politicamente correto’ – por parte dos críticos de cinema dos grandes jornais brasileiros nas críticas que li sobre o filme.

  4. The Hurt Locker
    de Brian Turner

    Nothing but the hurt left here.
    Nothing but bullets and pain
    and the bled out slumping
    and all the ‘fucks’ and ‘goddamns’
    and ‘Jesus Christs’ of the wounded.
    Nothing left here but the hurt.

    Believe it when you see it.
    Believe it when a 12-year-old
    rolls a grenade into the room.
    Or when a sniper punches a hole
    deep into someone’s skull.
    Believe it when four men
    step from a taxicab in Mosul
    to shower the street in brass
    and fire.
    Open the hurt locker
    and see what there is of knives
    and teeth.
    Open the hurt locker and learn
    how rough men come hunting for souls.

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