Dixit Aristoteles?

Não é incomum encontrarmos em textos respeitáveis trechos com a seguinte cláusula: “Aristóteles ensina que…”. Não raro citações desse tipo refletem mais a ignorância do citador do que o pensamento do citado. Onde Aristóteles ensina que…? Surpreendentemente, em lugar nenhum. O hábito é difundido tanto na Academia quanto na Internet, onde se multiplicam filósofos e sábios. Filologia — e a sua variante leiga “verifique a fonte” — nunca foi o forte do Brasil; mas por mais que não seja, também, o forte do Japão, não encontrei um só texto de autor japonês que lançasse mão de cláusulas desse tipo.

Invoquei a filologia, a ciência dos textos escritos, porque são casos extremos. (Há casos até de pensadores brasileiros que conhecem a vida interior e as doutrinas ocultas de Pitágoras e outros pré-socráticos!) Autores antigos são as vítimas mais torturadas; cansei de folhear teses sobre um estranho Aristóteles que escrevia em português. Como normalmente se ignora tanto as versões dos manuscritos sobreviventes e edições modernas quanto a língua em que foram escritos, a cláusula “Aristóteles ensina que…”, se comparada a versões modernas (como “Husserl ensina que…”), costuma implicar uma violência maior. Um grego cujos manuscritos são na verdade obra de alunos e copistas se situa a uma distância maior do que um alemão do século passado, cujos toques (ou os de Edith Stein, sua discípula mais ilustre) na máquina de escrever, por assim dizer, praticamente ainda nos chegam aos ouvidos.

Deixando a filologia de lado, vamos analisar uma hipótese mais próxima. Quando alguém responde à crítica contra o uso de cláusulas fáceis como essa — “Husserl ensina que…” –, costuma redarguir: “Ah, então é preciso saber alemão para citar Husserl? Quantos anos preciso ter estudado Husserl para poder dizer que ele ensina isso ou aquilo?” A objeção é muitas vezes válida. O pedantismo não se justifica. Se tenho uma boa tradução à mão, basta reproduzir o texto: “Aqui vai. Husserl diz na página tal do livro tal que…”. Ou posso citar uma fonte secundária (um Cambridge Companion, por exemplo) que comprove a opinião de Husserl sobre algum ponto. Umberto Eco caracteriza a metodologia científica, mesmo em Humanas, como uma “neurose da comprovação”; e ser neurótico, nesse sentido figurado, é o mínimo que se exige de um aluno sério. Pois aqui está a melhor objeção ao método fácil do “Aristóteles ensina que…”: se a opinião fidedigna não está à mão, o melhor não seria simplesmente abster-se usá-la? Recorrer a autores para embasar certas posições é útil; mas se o que citamos, de ouvido ou leitura, não é fidedigno, o feitiço se volta contra o feiticeiro, e quem queria se socorrer de um autor para elevar-se acaba, ao final, por se enterrar na própria ignorância. Pois que uso posso fazer de uma caricatura de Aristóteles? O melhor é apoiar-me em minha própria inexatidão do que na inexatidão de simulacros.

Adquiri do meu antigo orientador (um romanista) o hábito de verificar as citações próprias e alheias. O procedimento é tão fácil e simples que, espero, não me irão acusar de falta de modéstia. O fato é que quando a menção era a Aristóteles, quase sempre, ou não pude encontrar a passagem, ou então encontrei um trecho que contradizia a opinião imaginada. Quem lê Aristóteles à luz de Tomás de Aquino frequentemente cai em ciladas desse tipo. O Aristóteles traduzido para o latim de Moerbeke às vezes — mas nem sempre — está muito longe do Aristóteles da edição grega usual, de Bekker (ainda considerada insuperável). Na dúvida, prefiro acreditar que os filólogos e comentadores estavam (e estão) certos quando derrubaram, um a um, os mitos sobre o aristotelismo, geralmente fruto de uma vontade de harmonizá-lo com algum corpo de opiniões filosóficas árabes, cristãs ou modernas. O trabalho dos comentadores mais recentes da escola de Oxford é ainda mais implacável. Pouco do Aristóteles, versões salão ou clergyman, que ouvimos da boca de nossos ilustres professores pode ser encontrado nas fontes fidedignas. Pessoalmente, como sou lento, demorei cerca de dez anos para digerir a notícia.

A experiência que pretendo comunicar aqui é mais velha do que a dos nossos tataravós. Aprendi-a imperfeitamente assistindo, e participando timidamente, de grupos de estudo inspirados nos seminários que comumente se organizam nas universidades européias desde o século XIX. Quase todos no Brasil. Na Alemanha, era frequente ver alunos acostumados ao vale-tudo dizendo “Aristóteles ensina que…” sendo contraditados, imediata e secamente, pelos alunos de médio escalão (alunos de doutorado); quando isso não acontecia, um professor associado intervia, mencionando a existência de um manuscrito Z ou de um papiro, e fazia-se silêncio. Não se trata de puro espírito de contradição. O que poderia parecer humilhante para o aluno era, na verdade, apenas um banho de água fria necessário. Os professores mais antigos eram os primeiros a reconhecer a própria ignorância — ativamente, examinando posições e argumentos. O hábito de pensar dos alemães e ingleses, infelizmente, ainda não aportou em todas as praias brasileiras, acostumadas à retórica, ao bacharelismo, à crítica política misturada aos comentários filosóficos — como se as categorias de Aristóteles fossem objeto de golpes de Estado e assaltos revolucionários. Com isso não quero dizer que o Brasil não tem futuro; só quero dizer que outra realidade é possível. E que o primeiro passo é querer adquirir o hábito do estudo que definitivamente não temos. Sem ele, facilmente nos deixaremos enganar pelo primeiro guru retórico que aparecer.

A única lição a tirar é ser criterioso. Se não sabemos, não falamos. Se sabemos, mas não temos à mão exatamente a passagem, ou a procuramos ou recorremos à nossa experiência para argumentar a respeito do ponto que vagamente atribuímos ao autor x. Em vez de dizer que Aristóteles recomenda que demos prioridade à contemplatação sobre a ação, ou que basta apenas alguns reparos para torná-lo um cristão avant la lettre, digamos simplesmente que essa posição, que pode ser de Aristóteles ou de Bezerra da Silva, se sustenta por esse ou por aquele motivo. Recorrer ao senso comum ou à experiência é muito melhor do que recorrer a uma opinião falseada de algum autor. Infelizmente, no Brasil, raramente aparece alguém com a ideia ‘genial’ de verificar a fonte.

Ser criterioso com as fontes é o primeiro passo para pensar por conta própria — ou ao menos para evitar o vexame de se referir a uma opinião falseada. Quando dizemos que o sujeito está sendo apressado, ou que não conhece o grego ou o alemão, logo vem a justificativa: “Não importa o texto, o plano meramente verbal; importa a apreensão da Verdade”, que já ouvi kata poda, literalmente (sim, ouvi também a maiúscula, que soa mais como uma fricativa bilabial do que como uma lábio-dental). O que responder-lhe? A uma, se o que interessa é a contemplação direta da Verdade, por que referir-se a qualquer autor, seja ele um apóstolo ou um professor de filosofia? A duas, a contemplação direta da Verdade simplesmente não é atividade filosófica, mas divinatória ou mística. Os textos não são o mais importante — não são: filosofia é razão em exercício, por escrito ou oralmente –, mas desde antes da invenção da imprensa já eram um ponto de partida inescapável.

O hábito de estudar ainda não aportou em (todas as) nossas praias; mas certamente o hábito de contemplar diretamente a Verdade já virou paixão nacional.

46 comentários em “Dixit Aristoteles?

  1. Difícil discordar de algum ponto exposto neste texto. Valeria lembrar que esses tais de “retóricos”, que geralmente são especializados em múltiplos assuntos (digamos, da astrologia à política internacional), sempre que recorrem ao texto grego citam-no da Loeb. Com isto não quero desprezar a publicação da Harvard UP, mas qualquer um que engatinhe no estudo dos autores gregos clássicos sabe que usar a Loeb equivale a andar de bicicleta com rodinhas. Jamais passa pela cabeça desses retóricos (ou sofistas?) a existência de aparatos críticos e variadas edições de texto. É claro que o domínio da filologia clássica é apenas o primeiro passo para que se possa discutir a sério filosofia a partir dos autores clássicos, mas sem este passo primeiro e muito dificultoso simplesmente não se sabe do que se está falando.

    O Brasil e todos nós brasileiros que ainda acreditamos na Academia ainda engatinhamos neste ponto, de fato — embora o problema não seja apenas local, vale lembrar o pessimismo exposto por Jonathan Barnes em “Bagpipe music” (Topoi, vol. 25, 2006); segundo Barnes não há mais quase ninguém que tenha ao mesmo tempo domínio da filologia clássica e também talento filosófico. Conheci uma dessas exceções recentemente, o venezuelano doutor pelo Program in Classical Philosophy de Princeton, Simon Noriega-Olmos, que faz seu pós-doc hoje com o prof. Marco Zingano (FFLCH-USP) e que está por ter sua tese de doutorado publicada pela de Gruyter ( http://www.amazon.com/dp/311028765X/ ). Creio que esses são os modelos, mesmo que jovens, que devemos seguir.

    Em tempo: embora a edição do XIX de Bekker seja inequiparável como um todo, hoje a maior parte das pessoas usa as edições de obras individuais, às vezes duplas (eg. Cat. e DI), da OCT (Oxford Classical Texts) ou, muito mais raramente, da Belles Lettres (no caso do texto dos Tópicos, estabelecido pelo genial Jacques Brunschwig).

  2. Não sou bem um pensador (você se referia a Mário Ferreira?), mas me declaro um dos que falam de Pitágoras como se o conhecessem. O “sofista” que Adriano Correia menciona é, aliás, Olavo de Carvalho. Não entendo essa necessidade de insinuações veladas em quem luta pela clareza filológica.

    Embora pertença, academicamente, às Letras Clássicas, e já tenha conhecido um pouco do prazer cínico da filologia, acho graça desse valor imenso que lhe dão meus colegas. É de se esperar que filólogos supervalorizem seu próprio trabalho – que, por sinal, é de grande ajuda no longo prazo – mas não deixo de surpreender-me que acadêmicos de filosofia o façam.

    Dificilmente vemos lições definitivas sobre textos antigos. No fim das contas, muito é conjectura, e sempre há algo de opção. Para mim, pelo menos, o Aristóteles “verdadeiro” é ideia nebulosíssima. Nem se fala de Pitágoras, é claro. O pior é que, mesmo que o texto fosse exatíssimo, fora de questão, o problema da hermenêutica jamais desapareceria.

    Tenho por óbvio, então – e daí meu espanto e meu sorriso – que quando filósofos profissionais falam dessas figuras, falam-no com ciência de que há aí uma margem (que a filologia, é claro, ajuda a reduzir) de inexatidão, de que estão até certo ponto recriando a filosofia de Aristóteles, talvez na esperança (como alunos diligentes) de concordarem com a ideia original do homem. Não sei se há outro modo de fazê-lo. E nunca, nesses cinco anos de ladainha classicista, ouvi ou li uma razão decente para dar tanta importância às novidades da filologia.

    Quanto à sua sugestão, de prender-se à própria posição ou ao senso comum, ela ignora que a obra de um filósofo, mesmo que mal compreendida, oferece muitas riquezas indispensáveis. Há incompreensões geniais, e há outras que talvez compreendam mais do que a filologia – nunca saberemos. Muito do interesse do neoplatonismo está em sua tentativa, que você não acha decente, de compreender Pitágoras. Até hoje não há consenso sobre a doutrina de Platão, se é que houve uma – no entanto, os diálogos platônicos têm inspirado filosofias desde que surgiram.

    Não tenho nada a opor à sugestão de verificar fontes antes de citar, que é uma delicadeza muito desejável – embora ache ridículo pensar que a ausência desse cuidado esvazie o pensamento do intelectual.

  3. Rafa, eu me refiro a um problema geral no Brasil; uma parte pequena é de responsabilidade das pessoas que você citou, de modo que, ao mencioná-las, estaria sendo injusto com as outras. Como já disse, entretanto, pouco me importam os nomes, pois o debate intelectual não é lugar de disputas infantis entre bacanas, mas de ideias e argumentos. Reconheço alguns desses sintomas no seu próprio comentário; vindo de uma área como a filologia clássica, espanta-me que você “ache ridículo pensar que a ausência desse cuidado [de verificar as fontes] esvazie o pensamento do intelectual”. Pois é mais do que evidente que esvazia, ao dar lugar ao vale-tudo. Ao menos você reconhece que trata (com o perdão do castelhanismo) intimamente o Pitágoras, algo que considero inimaginável. Não sei se o Mário Ferreira o fazia; sinceramente, espero que não, embora não seja essa a impressão que me ficou de suas leituras. Deixo-o aos seus críticos, todavia.

    A filologia mostra justamente que, se com muito cuidado ainda não chegamos a lições definitivas, imagine a bagunça que resultaria de um tratamento preguiçoso, romântico ou ‘tradicionalista’ das fontes. É justamente por causa dos filólogos que temos, prontos para consumo, os textos dos nossos maiores. A inexatidão é muito menor se comparada à da cláusula “Aristóteles ensina que…”, tão abusada.

    Concordo com a possibilidade das “incompreensões geniais” dos filósofos. São acidentes tão felizes quanto raros, comparados à catástrofe diária do vale-tudo a que eu me referia.

    Como o Adriano observou, são raros os filósofos com talento filológico — mas são eles, justamente, os que têm a capacidade de interpretar com maior fidelidade, dentro das limitações dos textos, o pensamento dos antigos (e modernos). Digo `dentro da limitação dos textos’ porque pouco importa, para a filosofia, o plano histórico; a razão se articula num espaço relativamente atemporal, que Victor Goldschmidt chamou de `lógico`. Os bons filólogos, estabelecendo um texto, permitem ao filósofo articular o texto histórico nesse outro plano propriamente filosófico. Muito do que se chama de filosofia, como a fantasia nietzscheana (e veja aqui como um filólogo pode se dar mal em filosofia), é pura poesia.

    Não interprete mal o meu texto. Não sou contra os ensaios, as crônicas, etc, que muitos filósofos escrevem. Mas é preciso fazer o trabalho duro primeiro, para depois poder brincar. E não é o que se vê em nosso país; daí a minha preocupação.

    Adriano, gostaria de me lembrar do nome do canadense que tentou estabelecer uma nova ed. de Aristóteles, mas que desistiu ao perceber que seu esforço de muitos anos resultou num trabalho quase idêntico ao de Bekker. (E, sim, estou a par do costume saudável de ir às edições individuais dos textos. Isso é ainda mais necessário no caso dos pré-socráticos, como Heráclito; a edição de Marcovitch supera em muito a habitual Diels-Kranz.)

  4. Tenho grande dificuldade em discordar dos que são, ao meu ver, os dois principais diagnósticos de Rafael: (i) filologia não é tudo na interpretação de um texto filosófico, nem o mais importante; (ii) querer dizer que se tem em mãos um Aristóteles verdadeiro é mistificação.

    Discordo, porém, quanto a a quem atribui essas posições. Em meu comentário, creio ter deixado claro que “o domínio da filologia clássica é apenas o primeiro passo para que se possa discutir a sério filosofia a partir dos autores clássicos”; e creio ser essa a posição de Julio no texto e nos comentários.

    Assim, pode-se resumir nossa posição numa fórmula: filologia, embora não primordial e mais importante, é propedêutica ao esforço filosófico voltado aos textos clássicos.

    Veja, como é que se vai discutir o que diz Platão e Aristóteles nas linhas x ou y, usando uma tradução, quando o que pode estar em questão é o estabelecimento de texto? Só a Metafísica de Aristóteles tem, enquanto um todo, pelo menos seis edições de texto, contando a de Bekker: Bonitz, Schwegler, Christ, Ross e Jaeger. As duas mais usadas são a de Ross (1924, revista em 1958) pela Clarendon e a de Jaeger (1957) pela OCT, ambas publicadas pela Oxford UP. Isto sem contar a edição de Frede e Patzig do livro Z.

    Com isto não quero dizer que eu domine o assunto. Estou muito longe disso. Se alguém acha que quero passar a imagem do erudito que domina as línguas clássicas, que domina história de manuscritos e edições de Platão e Aristóteles, insisto: longe disso; trilho meus primeiros passos. Mas isso não me impede de poder dizer que há muita gente que quer pontificar sobre Platão e Aristóteles, quando essas pessoas não fizeram a primeira lição de casa. Criam um Platão e um Aristóteles fantasmagórico, e pior: recorrendo a doutrinas orais sobre as quais ninguém poderia ter domínio algum.

    Imagine que alguém começasse a especular sobre as doutrinas orais, não escritas, dos profetas hebraicos. “Fala-se pouco sobre o encontro de Isaías e Pitágoras, que foi determinante para as profecias hebraicas”. É óbvio que estou recorrendo a uma falsificação grotesca, mesmo porque se trata de uma piada, mas fato é que nada temos a ganhar de substância filosófica quando começamos febris a especular sobre doutrinas não-escritas ou sobre a ação do demônio na biografia de Descartes e na composição das Meditações Metafísicas, quando todo aluno de primeiro ano da Filosofia da USP sabe que a dúvida é metódica e não psicológica, e que a narrativa visa a como que uma demonstração geométrica e não a uma biografia dianoética. Mas já fujo do assunto em questão.

    Peço apenas, Rafael, que não recorra a espantalhos, atribuindo às pessoas posições que não defenderam.

    Em suma: a filologia clássica, como eu disse no início, é apenas o primeiro passo para a compreensão filosófica, que é a que realmente importa. E, bem, é óbvio que qualquer um que estude Platão e Aristóteles a sério (ou que o queira fazer) jamais falará sobre o verdadeiro Platão ou o verdadeiro Aristóteles, e jamais dirá que essa ou aquela era a verdadeira intenção do autor, ou que se conhece aquilo que passava por sua mente. A Academia sempre nos ensinou a lição do distanciamento crítico.

  5. “Não é incomum encontrarmos em textos respeitáveis trechos com a seguinte cláusula: “Aristóteles ensina que…”. ”

    Que textos respeitáveis? Escritos por quem? Publicados aonde? Cade o tal rigor?

  6. Diogo, sinto dizer que esse tipo de exaltação não faz o meu estilo. Você já leu textos com essa cláusula? Vou supor que sim; se eu for levar a sério as suas perguntas, só tenho uma conclusão a tirar: você não lê com frequência. Se forem perguntas retóricas, não merecem, pela sua natureza, resposta alguma. De qualquer modo, a minha premissa é que esse cacoete “Aristóteles ensina que…” é muito difundido. Se discorda da minha premissa, gostaria de saber em que país você vive. Aqui no Brasil isso é comum.

  7. Diogo, digite “Aristóteles ensina que” no Google e veja os resultados. OdeC, Montfort, PUC &c.

    Só que a expressão em si não é o problema, mas aquilo que reflete “mais a ignorância do citador do que o pensamento do citado”.

  8. Caro e saudoso Julio, como leigo no assunto, posso afirmar que, no mínimo, deverei procurar por um editor intelectualmente honesto quando necessitar beber da fonte de Ética à Nicomaco? Não ousaria caminhar até Bekker, é caminho para experts. Quero emprestar a reflexão e hermenêutica de caras sérios para, com segurança, poder inspirar lideranças corporativas em meu trabalho, com o pensamento clássico já tão ressequido na comtemporaneidade. Ajudai-me. Abraço.

  9. O Sr. Lemos, pelo jeito, não lê a própria Dicta, não lê os próprios textos que escreve.

    Que tal este, de 2008, assinado por um tal de Júlio Lemos?

    “Para Aristóteles – e então voltamos para a Atenas do séc. V a.C. –, um homem que conseguisse unir na prática um ideal de excelência pessoal a uma ação marcante na sociedade civil, mesmo que isso se limitasse a uma influência quase imperceptível sobre os demais homens do seu tempo e espaço – esse homem seria grande.”

    Em: http://www.dicta.com.br/grandes-homens-numa-hora-dessas/

  10. Diogo, escrevi esse breve post depois de um artigo acadêmico sobre o megalopsychos de Aristóteles (EN IV 3), no contexto da virtude da magnanimidade, nome que usamos na tradição latina. Não vejo em que sentido se pode aplicar a minha crítica a ele; eu pesquisei antes de falar sobre o assunto, comparando versões e me referindo aos comentadores gregos. De qualquer modo, eu teria liberdade, hoje, para criticar o que eu mesmo escrevi há quatro anos; ou você acha demais? Se quiser, posso te enviar o artigo por e-mail. A propósito, isso de chamar as pessoas de “Sr.” com o sobrenome é um pouco deslocado. Pode me chamar de Julio.

  11. Wagner, as traduções para o inglês mais usadas são boas. Eu gosto da de Ross e de Rackham (Random House, mas já em domínio público). Um comentário acessível e criterioso é o Companion da Cambridge à Ética Nicomaquéia de autoria do Michael Pakaluk, conhecido meu e colaborador da Dicta. Link da Amazon aqui: http://www.amazon.com/Pakaluk-Michaels-Aristotles-Nicomachean-Ethics/dp/B008XUIE5W/ref=sr_1_3?ie=UTF8&qid=1346020539&sr=8-3&keywords=pakaluk+michael. Tenho um amigo que fez seu doutorado sobre Aristóteles e ética negocial; mas não encontrei nada publicado. Se encontrar, te passo as referências. Abraço!

  12. Sou da opinião que o excessivo zelo pela correção das citações, como se fosse possível ter “acesso direto ao pensamento” de determinado autor clássico – mesmo que por meio de técnicas filológicas – é um completo disparate sem contar a pretensão. Antes de tudo, possui claras razões filosóficas. Ora, os gregos viviam num mundo completamente diferente do nosso, permeados por sua linguagem, de tal forma que, ainda entre os grandes filósofos, sem contar filólogos – digo grandes filósofos, não “filósofos blogueiros” – a interpretação e o acesso ao mundo dos gregos é um mistério, ainda havendo diversas traduções e técnicas filológicas. Basta para isso a princípio levarmos em consideração vários eventos ao longo da história da Filosofia. A querela dos universais, por exemplo, em que Porfírio admite – vejam sua honestidade – admite que Aristóteles de certa maneira deixou a questão aberta, o que gerou a querela dos universais, como fala-nos Blanché. Ainda, temos Heidegger e a necessidade da “diferença ontológica”, uma vez que os gregos – ele refere-se aos próprios gregos, notadamente Aristóteles – lidaram com o ente e não com o ser, numa confusão conceitual. A pergunta de Leibniz estaria então errada: não seria Por que há o ente ao invés do nada, mas Por que há o ser ao invés do nada? Percebam, a perfeita correção do pensamento dos gregos é um disparate.

    Um ex-professor meu, amigo do Emanuel Carneiro Leão costuma dizer o seguinte: se Aristóteles fizesse uma prova sobre seu próprio pensamento ele seria reprovado, porque já lhe fizeram interpretações outras.

    Ainda, para fechar esse comentário, a maior razão filosófica para a afirmação que é um completo disparate o acesso direto ao pensamento dos autores clássicos é o seguinte: nós temos uma imagem de mundo permeada por nossa linguagem completamente diferente dos gregos; essa imagem de mundo condiciona o pensamento. Assim, o pensamento dos gregos, permeado pela imagem de mundo dos gregos é quase que inacessível.

  13. Rafael Sandoval, concordo com você. Meu único reparo — não sei se concorda comigo — é que, entre referir-se vagamente a Aristóteles, sem qualquer preocupação com as fontes, e ao menos ter o cuidado de ir ao texto, o melhor é ficar com a segunda opção. Entre a inexatidão por desonestidade ou preguiça e a inexatidão inescapável, em se tratando de autores antigos, fica clara a melhor saída. Na dúvida, há ainda uma terceira opção, a que me referi: fazer filosofia sem tentar se apoiar naquilo que nos é apenas vagamente conhecido. Creio que o Adriano tenha evidenciado a vantagem da segunda opção em seus dois comentários. A sua crítica deixa claro, por outro lado, que o acesso ao pensamento antigo está cheio de obstáculos; impressão quase unânime é que esses obstáculos sejam maiores do que qualquer filólogo otimista possa imaginar. Ainda assim, isso não nos dispensa de ser diligentes.

  14. Prezado Júlio,

    Sob certo aspecto, é fácil concordar com seu post justamente porque ninguém que se pretenda sério ousaria discordar (grupo no qual, imodestamente, incluo a mim). Contudo, há ainda uma coisa ou outra a ser considerada, e talvez um pedido desesperado:

    1. Não que este seja o seu caso, ou mesmo de um de seus amigos, mas há que se considerar o seguinte: não é incomum constatar que o zelo filológico não raro é o primeiro e último passo adiante da postura hipostasiada na frase “Aristóteles diz que…”. Se esta última – com suas variantes com Husserl, S. Tomás, Heidegger etc. – pulula pelo Brasil, não é falso dizer que, tão logo se abandone a prática do “chute”, o próximo degrau na escala evolutiva é a adesão apaixonada à tarefa filológica, ao desvelo pela fonte e pela fixação do texto. Você, inteligente como é, verá que não se segue do que eu digo o desprezo pelo rigor textual e pelo esforço assintótico de aproximação em direção ao texto original. Mas segue-se sim, daí, que o pretenso rigor textual acaba por substituir na maioria das vezes aquela tarefa incômoda e cansativa de pensar filosoficamente. O que nos leva ao segundo aspecto.

    2. Para manter-me no nível do seu rigor, direi de outra forma: é um fato observável que nos mesmos lugares onde pipocam as reclamações sobre a deplorável figura do “chutador”, é aí mesmo que encontramos excelentes técnicos do manuseio dos idiomas e horrendos pesquisadores de Filosofia, justamente porque a compreensão da reflexão sobre problemas bem determinados – seja em direção às suas resoluções, ou mesmo na explicitação ou delimitação de seus escopos – é o momento fundamental da filosofia e do texto filosófico. E é aqui o ponto crucial. Se o aspecto filológico é um momento incontornável, ele não é a meta. Dito de outro modo, é condição necessária, mas não suficiente. Você poderia dizer aqui que é exatamente o que você veicula no seu texto. Mas há mais. O que seria realmente de fundamental importância para uma completa superação das tolices que vemos aqui e ali é o passo à frente: o uso da erudição filológica justamente como ferramenta, ou seja, não como um fim em si mesmo, mas como auxiliar na compreensão exata da relação entre as teses de um filósofo e os problemas com os quais ele lida. Porque senão, quando leio alguns textos como o seu, fico sempre com a impressão que qualquer ateniense minimamente culto do século IV a.C., com sua alma forjada pelo “pneuma” da língua grega, teria necessariamente uma compreensão muito mais aguda do problema da derivação das categorias em Aristóteles do que alguém que pensa filosoficamente, mas com seu grego vacilante, no século XIX, XX ou XXI, por exemplo. O mesmo serve para um transeunte em Berlim acerca da refutação do psicologismo transcendental em Husserl. E, infelizmente, o que vemos é que os eruditos muito se comprazem na sua erudição filológica, zombando do citador incauto, sem se darem conta de que a distância entre os dois é simétrica àquela entre o erudito e o pesquisador que raciocina filosoficamente. E o efeito causado por este lapso é que bate-se no citador relapso como se a capacidade de cotejar códices fosse o último estamento na pesquisa filosófica.

    Claro, você pode dizer novamente que é exatamente o que quer dizer. Mas eu teria de dizer que vejo pouca coisa escrita por aqui que indicia uma real contribuição de natureza filosófica (e nem digo em coisas absolutamente originais. Apenas trabalhos de análise). No fundo, espero um texto em que grandes sujeitos como você usem todo este instrumental para mostrarem, por exemplo, que Aristóteles tem mais razão do que Kant em derivar as Categorias dos entes ao invés de derivá-las dos juízos. Ou que Husserl tem mais razão do que Mill na fundamentação da Lógica e da Matemática em outro lugar que não as leis psicológicas de associação. Porque o que Kant sabia diretamente sobre filosofia medieval era muito menos do que um graduando atual da USP, mas ouso dizer que suas contribuições para certos problemas da filosofia medieval foram infinitamente maiores do que qualquer um deles poderá sonhar. O mesmo vale para S. Tomás em relação a Platão. Até lá, acho a sua crítica correta e válida, mas filosoficamente pouco frutuosa.

  15. Senhor Leitor Severino,
    Invejo sua lucidez e sua capacidade de expressão. Parabéns e, na minha incompetência, assino embaixo. O raciocínio filosófico não é uma disposição de estudo mas, (desculpe!), um “estado de espírito” que, penso, nos leva a recolher a mensagem do passado, mas tendo a coragem de fazê-la valer agora, diria eu, até mesmo traindo a filologia. Deslumbrados com os rigores recursivos da matemática terão sempre dificuldades com isso.

  16. Severino, muito obrigado pelo comentário substancial. Vou tentar ser sintético na resposta, até porque concordamos em quase tudo, e parte disso já foi discutido nos comentários abaixo.

    1. O que me parece quase unânime é que o recurso à opinião dos filósofos antigos e modernos deve ser acompanhado do rigor filológico. O recurso à opinião alheia é expediente dos filósofos; a tarefa de preparar edições filologicamente corretas é encargo dos filólogos. Nesse intervalo é que se dá a colaboração entre pensadores e historiadores: a observância da metodologia científica em humanidades. O cuidado com as citações é ponto de partida. Como o nível é muito baixo no Brasil, a advertência de verificar as fontes com muito cuidado não raro é vista como uma exigência excessiva. O que não é verdade. É o feijão com arroz. O que eu observei foi que muitos pensadores, e mesmo pesquisadores, não fazem o feijão com arroz (um tanto gourmet, em se tratando de uma disciplina árdua como a filosofia). De posse desse ponto de partida, que não sobrecarrega um filósofo bem formado, nosso pensador está pronto para fazer o seu trabalho, sem ruído. Ele pode inclusive dispensar-se de citar outros filósofos; é a terceira opção, a que me referi, que consiste em, na dúvida, abster-se de citar, apoiando-se exclusivamente na experiência filosófica. Foi o que muitos fizeram — o esquisitonho Wittgenstein, por exemplo, só mais tarde foi recorrer a Santo Agostinho, Kant, Descartes, em parte por ignorância pura da tradição filosófica, em parte por idiossincrasia. Malgrado isso, foi muito bem sucedido porque era um autêntico gênio filosófico, como Descartes e Kant (provavelmente até mais inteligente do que ambos). Creio que no meu texto tenha ficado claro que o que defendo não é o uso pedante da filologia, e muito menos a transformação da filologia em filosofia; é claramente o uso instrumental da filologia pelos filósofos que dela precisam.

    2. O outro ponto, de fato, é conexo. Há que distinguir filósofos de scholars. Eu não conheço um único filósofo vivo no Brasil; talvez Newton da Costa (não sei se ele se considera lógico ou filósofo; eu arriscaria dizer que não é bem um filósofo, apesar do seu enorme talento) e Oswaldo Chateaubriand. É uma classe rara. Scholars há, e “os há”, como dizem os bacharéis, muitos e bons. A USP tem um time bom de acadêmicos em filosofia, especialmente em filosofia antiga e medieval; também tem, se chamamos a UNICAMP, uma meia dúzia de lógicos. Pode-se dizer o mesmo da UFRJ e da UFRGS e de algumas outras. Mas filósofos… Sinto dizer que, raros lá fora, ainda mais o são aqui. Talvez você concorde comigo. Ainda assim, os ‘filósofos’ meramente acadêmicos são mais úteis à filosofia do que os charlatães. Não acredito em uma separação fácil, por fim, entre scholars e filósofos; na academia, muitas vezes, e mesmo em papers especializados, pode-se ir além da análise ‘academicamente válida’ e chegar à filosofia pura e aos seus voos criativos, o que eu já vi acontecendo. Muitos filósofos, a maioria deles, começaram o seu trabalho analisando textos ou argumentos escolares. Não é difícil que o gênio se revele justamente aí, em terreno fértil e familiar, e não num ambiente idílico. (Sempre imagino Maquiavel refletindo à sombra de uma árvore…)

    3. Há um terceiro ponto que você considerou. Não creio que um grego do séc. V a.C. pensasse melhor filosoficamente que um moderno ou um de nós. A habilidade filosófica passou a ser um talento quase que universal — embora raro. Com um instrumental mínimo, a lógica aristotélica ou informal, um grego, antigo ou moderno já tem o suficiente para fazer o seu trabalho. Mas não creio que a compreensão proporcionada pela experiência de séculos de filosofia seja inútil; aqui, estamos com vantagem. O fato é que um filósofo, dadas certas condições de civilização e conhecimento informal da lógica, pode surgir em qualquer tempo e em qualquer lugar.

    4. Por fim, não creio, de modo algum, que o site da Dicta seja um locus de discussão filosófica. A revista impressa reserva espaço para isso, dentro das suas limitações de concepção (não é uma revista de filosofia sensu stricto). Eventualmente, o site divulga autores ou ideias. Os colaboradores e seus leitores têm, cada um, o seu objeto de estudo particular. Se nosso objetivo de divulgar autores e ideias, na linha da revista impressa, estiver sendo atingido, consideramo-nos satisfeitos, eu e os demais editores e colaboradores. É um site de cultura. Não espere mais do que isso. Um abraço!

    Luiz, se me permite, sem disposição para o estudo não sobra nada (e duvido que o Severino discorde disso); nem filosofia, nem contabilidade. O estudo é o ponto de partida, e ser responsável com as citações é, para dizer o mínimo, um dever moral. Não acha que “estados de espírito” combinam mais com propagandas de cerveja do que com a filosofia? (“Rigores recursivos da matemática” é expressão nova para mim! Talvez os matemáticos a conheçam.)

  17. Se eu fosse advogado de Mário Ferreira dos Santos e tivesse que redigir, às pressas, uma defesa preliminar contra a acusação de corromper a juventude filosofante ao difundir o hábito de descuidar do rigor filológico e não consultar as fontes, eu traria à colação em sua defesa um trecho de sua obra, escolhido a esmo, como este:

    “Após a morte de Aristóteles, os seus comentaristas puseram em ordem as suas obras, e ao fazê-lo colocaram, logo após os tratados científico-naturais, as investigações mais gerais que ele havia realizado. As obras científico-naturais levavam o titulo de peri tah physikah (em grego significa: “Das coisas naturais”) e as que se seguiam chamaram-nas de tah metah tah physikah (as coisas depois das coisas naturais) […]Longos debates se travaram e se travam ainda hoje na Filosofia para saber-se a exacta acepção da Metafísica, em face das diversas interpretações e acepções que tem surgido. A esta palavra se tem emprestado os mais variados sentidos e tem sido usada por adversários numa acepção muito diferentes da real, quase, e apenas, como ma espécie de mitologia, pura e simples. Se na realidade, há muito de mitologia na metafísica de certos autores, muitos elementos alógicos, como já tivemos oportunidade de nos referir, um trabalho de pesquisa e de esclarecimento impõe-se necessariamente, o que já se tem empreendido. Hoje a Metafísica retorna com outro esplendor, graças ao renascimento do estudo dos grandes autores escolásticos. (MFS. “Filosofia e Cosmovisão”).”

    Este trecho mostra que Mário Ferreira dos Santos não estava alheio aos longos debates filológicos, por exemplo, em torno do termo metafísica e ao exato sentido que ele tem nas obras de Aristóteles. Ele poderia ter se alongado mais sobre estes debates, mas se desviaria de sua linha de raciocínio. Creio que este tipo de análise, que ele não despresaria, estava fora de seus propósitos. Era um enciclipedista. Isto me leva a pensar num tema marginal aqui suscitado: não merecem o epíteto de filósofo os “especialistas em múltiplos assuntos.”? Sei que há os filósofos de enfoque, digamos assim, atomístico. Julio Lemos lembrou há alguns meses que existem bibliotecas interiras escritas apenas sobre o problema dos futuros contingentes. Os filósofos desta estirpe, decerto, ganham em exatidão e confiabilidade das assertivas, os que os outros ganham em extensidade (para usar um termo de MFS). Creio que MFS estava ciente do problema, pois, se o compreendi bem, o ideal de sua “filosofia concreta” era o de unir, na medida do possível, as duas perspectivas. Não seria este o modelo de filósofo mais completo?

    A propósito, me recordo da entrevista de um compositor à Dicta e Contradicta que comparava a obra de Villa Lobos à de Brahms e Beethoven e dizia que enquanto estes últimos usavam o seu tempo para fazer a revisão de uma obra o primeiro preferia compor mais três! O resultado era que à obra de Villa Lobos “faltavam dinâmicas, articulações, etc” (seja lá o que é isso). Neste sentido, MFS é o Villa Lobos da nossa filosofia. Mas ainda assim filósofo, não?

  18. Vinícius, está muito bem o que você disse. Em nenhum momento acusei o MFS de corromper a juventude por difundir tal hábito; até onde eu sei, ele nunca o fez, e não teria nenhum motivo para acusá-lo disso. Não sei se gastaria muito tempo estudando a obra dele para descobrir se um enciclopedista (ele era também um vendedor de enciclopédias e advogado) pode ser um bom filósofo — isso é possível, não vejo porque não. Li uma dezena de volumes dele e, sinceramente, não me chamou a atenção. Lembro-me, inclusive, dessa passagem que você citou. O que ele diz ali aparece em qualquer verbete de enciclopédia. De resto, não há nada de errado aí, e nem de especialmente louvável. MFS costumava consultar amplamente os dois volumes do Gredt, um rico compêndio de filosofia aristotélico-tomista (os mesmos exemplares que eu estudei, pois usava parte dos livros da biblioteca do MFS que foi desfeita depois do seu falecimento), e isso mostra que a sua tradição era outra: justamente a do Aristóteles dos escolásticos, divulgado, bem ou mal, em latim e de modo sistemático. Mais do que um entendido em Aristóteles, MFS era versado na escolástica, especialmente em Duns Scoto; ele tinha a obra completa, que eu também consultei para alguns trabalhos. Eu tendo a fazer, no geral, um julgamento positivo dele: dentro das limitações da época (no Brasil, o acesso à bibliografia básica sobre qualquer assunto, até pouco tempo, era muito difícil), era um autodidata extremamente inteligente e culto e soube tirar proveito do seu tempo livre escrevendo prolificamente. Eu não publicaria nada daquilo. Mas a sua obra, ironicamente, ultrapassa a grande maioria dos acadêmicos especialistas de hoje. Não costumo recomendar-lhe a leitura porque há autores mais importantes — na mesma linha, o próprio Gredt para quem lê latim, combinado com o livro do J. Barnes sobre Aristóteles e o “The Presocratic Philosophers”, mais o “Aristóteles” do Werner Jaeger, “Aquinas” do Copleston, “Three Philosophers” da Anscombe, etc, seriam um excelente ponto de partida –, e MFS é sui generis. Sempre recomendo evitar autores, vamos dizer assim, alternativos, ou que flertam com o esoterismo. Sobre o assunto geral das especialidades vs. visões gerais, eu escrevi alguns comentários por aqui. Creio que há lugar para todo tipo de método.

  19. Embora o MFS esteja longe de ser um especialista, pois na verdade ele combatia a filosofia como “especialismo”, uma vez que considerava este modo de pensar atomístico e que, tendo em vista que a especialidade é constantemente aprofundada em face dos conhecimentos crescentes, o homem se perderia nestes tipos de “especialismos”, o MFS foi um profundo conhecedor, sobretudo da escolástica, estando à frente inclusive da maioria dos especialistas em escolástica no Brasil atual que já passou por minhas mãos.

    O autor brasileiro que eu recorro quando quero estudar ou clarificar algum tema em particular da filosofia escolástica é o MFS, pois, além do estudo dos diversos temas e grande conhecedor, ele possuía reflexões próprias acerca deles. Por exemplo, na obra: “A Origem dos grandes erros filosóficos: erros crítico- ontológicos” MFS faz uma análise partindo de uma reflexão própria, sobretudo de diversos problemas e temas filosóficos; é, ademais, algo que ele faz com coragem! Mostrando grande conhecimento das discussões atuais (digamos, de sua época) ao que diz respeito à Filosofia de tradição continental e também de tradição anglo-saxônica.

  20. Caro Júlio
    Se tu queres polemizar, por que não dar nome aos bois.
    Essas insinuações são muito covardes.
    Isso depõem contra sua seriedade.

  21. João Carlos, já expliquei várias vezes — e todos os que acompanham as discussões nos comentários sabem — que não é minha intenção, e nem o aprovo, polemizar, e sim examinar posições e argumentos. A arena de debates não é, como muitos pensam, lugar de lavar roupa suja e “dar nome aos bois”. Vestir a carapuça já virou hábito por aqui. O lugar para isso são os bares e botecos, onde sobram os valentões (que se imaginam muito viris porque falam o tempo todo de coragem e moralidade) e inexiste coragem e discrição. Continuarei ignorando as picuinhas da esquerda de sinal trocado, que em tudo vê indiretas e em tudo vê motivo para indignação; mas obrigado pelo seu comentário. A essa gente, qualquer um aconselharia mais estudo e menos virilidade imaginária.

  22. Prezado Júlio,

    A julgar pelo rigor que você imprime em seus posts, esperava mais da sua resposta.

    Em primeiro lugar porque você não comentou o meu ponto principal, a saber, a pretensa superioridade filosófica do “erudito” em relação ao “chutador de citações”. E digo “pretensa” superioridade não porque, de fato, aquele que preza pelo rigor não seja preferível ao que fala de orelha, mas porque, se é certo que aquela posição é obviamente superior a esta, não é, “per se”, filosófica. O aspecto principal do meu comentário é que o espaço que separa o citador incauto do simples erudito é equidistante àquele existente entre o erudito e o “scholar”, como você bem o nomeia. E isto significa que, sob este aspecto, o citador folgado e o erudito cotejador de códices estão ambos fora do domínio da reflexão filosófica. E o que é tão ou mais torpe é que basta que o suposto erudito aprenda o Aoristo pra começar a bradar contra a falta de rigor do citador de orelha, sem dar-se conta de que teria obrigação ainda maior de ser menos tolo e conhecer as reais distâncias.

    Por algum motivo desconhecido você se furta a comentar este aspecto transpondo a discussão para a distinção entre “Filósofos” e “Scholars”; mas eu sequer toquei neste aspecto. Referi-me, sim, a uma oposição entre o “erudito técnico” (e estéril filosoficamente) e o pesquisador que faz análises filosóficas e contribui para o avanço científico do tratamento daqueles problemas bem determinados aos quais fiz referência. Como se pode notar, discussão bem diferente daquela relacionada à sua distinção entre “Filósofos” e “Scholars”.

    Quanto ao fato de que o blog da Dicta não ser lugar para isso, você há de convir que é uma péssima resposta. Por que o blog pode conter elucubrações sobre a bibliografia complementar que cerca o problema da Batalha Naval no livro IX do “Peri hermeneias”, mas não pode ter um exemplo de análise e contribuição para o avanço na compreensão destes problemas? Quanto à versão impressa da revista, concordo que ela não é uma revista “acadêmica” de Filosofia; mas tem uma seção dedicada a isto na qual – salvo contribuições muito pontuais – só serve como palco de desova de textos fraquíssimos de editores da revista nos quais o amadorismo só rivaliza com a pretensão.

    Por que razão o blog não poderia divulgar e servir de espaço para a discussão de “papers” – estes sim, publicados em revistas acadêmicas – publicados por você ou por outros “scholars” do corpo editorial? Ou mesmo de comunicações ou conferências apresentadas por vocês? Em suma, por que a presença da Filosofia por aqui deve limitar-se a palpites metafilosóficos?

    Certo estava Hegel: “A forma mais grave deste desprezo [da filosofia] consiste no fato de que, como se diz, cada um está convencido de saber imediatamente alguma coisa sobre a filosofia em geral e de estar em condições de discutir. Nenhuma outra arte, nenhuma outra ciência é exposta a este supremo grau de desprezo que consiste em que alguém creia que as possui.”

    (Opa, quase cometo um “Hegel dixit”. A citação é do Prefácio dos Princípios de Filosofia do Direito. Se quiser cito a página; só escolher de qual das edições que tenho [obviamente, em alemão] você quer.)

  23. Severino, parece-me que você não leu a minha resposta. Está muito claro ali que, entre o chutador de citações e o filólogo, há que preferir quem tem cuidado com as citações. Você o reconheceu. O filólogo — e, analogamente, alguém que cuida bem das citações — certamente ganhará; mas isso não quer dizer que o filólogo seja filósofo. Surpreende-me que tenha confundido as bolas de modo tão primário. A reflexão filosófica não é âmbito de filólogos. Mas todo filósofo, quando precisa citar, deve ir às edições filologicamente cuidadas. É o intercâmbio que deve existir, e que eu defendi no texto. É só isso o que eu disse. Tenho até vergonha de dizer o óbvio. Depois você escreveu: “Referi-me, sim, a uma oposição entre o “erudito técnico” (e estéril filosoficamente) e o pesquisador que faz análises filosóficas e contribui para o avanço científico do tratamento daqueles problemas bem determinados aos quais fiz referência. Como se pode notar, discussão bem diferente daquela relacionada à sua distinção entre “Filósofos” e “Scholars””. Acho difícil falar em ‘avanço científico’ no tratamento de problemas filosóficos. Mas eu não disse nenhuma novidade, no post ou nos comentários. Você mesmo disse ser difícil discordar. Por isso não sei qual seria o seu ponto aqui.

    Quanto às elucubrações sobre o problema de “Peri hermeneias”, se prestar atenção à discussão, verá que em nenhum momento existe a pretensão de discutir propriamente esse assunto segundo as exigências acadêmicas. É uma divulgação de um problema. Ele toca algumas das minhas pesquisas; mas, se tivesse que lançar alguma contribuição, não a postaria num site de cultura. Acho que você está confundindo os meios; mantenho a salvo a sua intenção, que deve ser boa, mas objetivamente há um erro sério na sua exigência. Quanto à sua crítica vaga — “textos fraquíssimos de editores da revista”, etc –, vou manter a resposta também vaga: há textos ali com os quais discordo, e que julgo fracos, mas a sua maioria, creio, passam com folga no teste de qualidade (basta folhear as outras revistas brasileiras). Nunca, jamais, alguém pretendeu fazer ali alguma contribuição de peso à filosofia. Se o quisesse, teria fracassado. Mesmo ali, a linha editorial é de divulgação de ideias para um público que quer cultura, e não discussão acadêmica de peso. Temos algumas publicações muito boas nessa área, como a Analytica e a Revista Brasileira de Filosofia. Talvez você as conheça. Existe o projeto de lançar uma revista acadêmica pelo IFE, mas não sei se algum dia ele vai adiante.

    Por fim, por que “o blog não poderia divulgar e servir de espaço para a discussão de “papers” – estes sim, publicados em revistas acadêmicas – publicados por você ou por outros “scholars” do corpo editorial?” A resposta é simples: não se trata de uma revista acadêmica. Você deve ter reparado, e eu já expliquei duas vezes, que se trata de um site de cultura, com matérias inspiradas ou não no conteúdo publicado na revista impressa. Eu já citei papers aqui, mas não seria o local adequado para discuti-los. Falo até mesmo como leitor, pois não sou editor da revista impressa. Se você tivesse um artigo acadêmico de filosofia e tentasse publicar aqui ou na Dicta impressa, não conseguiria. A cada coisa, o seu modo de apresentação e lugar adequados.

    Hegel estava certo quando disse isso, a julgar pela sua tradução. Creio que seja este o trecho do Vorrede:

    “Die schlimmste der Verachtungen ist diese, daß wie gesagt jeder, wie er so steht und geht, über die Philosophie überhaupt Bescheid zu wissen und abzusprechen imstande zu sein überzeugt ist. Keiner anderen Kunst und Wissenschaft wird diese letzte Verachtung bezeigt, zu meinen, daß man sie geradezu innehabe” (Hegel, Werke vol. 7, Frankfurt, 1979, p. 17).

    Mas me parece que não o colocou em prática. Esse espírito de não pretender saber (do ponto de vista do sujeito, portanto) nada de definitivo — o que Hegel expressou com o “überzeugt zu sein” — sobre a filosofia, a não ser quando se pode fazer uso legítimo de certas premissas mais ou menos unânimes (o senso comum bem lapidado), sempre animou a filosofia analítica; eis um dos motivos pelos quais prefiro esse método ao da chamada filosofia continental.

  24. Júlio, terei imenso prazer em responder seu último comentário. Mas por favor, avise-me se você for editá-lo novamente, como, de fato, fez. Sei que alterar textos já publicados é uma de suas especialidades aqui no blog, mas espere até que eu escreva novamente.

    E por favor, vamos nos ater ao tópico. Seu comentário sobre Hegel é apenas índice do meu ponto: embora cite em alemão, é patente que seu conhecimento da filosofia hegeliana é um amontoado de senso comum.

    PS: se quiser a sério falar sobre a “oposição” entre Filosofia Analítica e Filosofia Continental, vá ler o livro praticamente definitivo de M. Friedman, “A parting of ways” para evitar essas dicotomias colegiais.

  25. Severino, tenha certeza antes de acusar, sob pena de passar por comentador de má fé. Não editei seu comentário; por isso é melhor atribuir os seus erros a você mesmo. Eu altero os meus textos porque o autor tem o direito de o fazer. Reviso meus textos cinco vezes antes de publicar e, muitas vezes, mais cinco depois, porque amigos me escrevem mostrando erros. É saudável. Nunca alterei comentários — com exceção de um erro bizarro de ortografia que vi semana passada. Os outros erros deixei passar.

    Sobre Hegel, não tenho pretensão alguma de sair do senso comum sobre a sua filosofia. Teria vergonha de ser um entendido em Hegel. Sobre o chamado “analytical-continental divide”, a opinião a que você se referiu está longe, muito longe de ser definitiva. É assunto opinável. Filosofia sempre será opinável. A divisão é em parte didática e em parte necessária: os métodos são bastante distintos. Além disso, tem-se falado muito, e com razão, que os comentários analíticos a filósofos continentais são mais claros do que a fonte. É um problema? Sim. Filosofia é seleção. O livro de Friedman “faz bons pontos”, de qualquer modo. Mas isso não o autoriza, meu caro, a largar desprezo por aqui sem cuidado algum.

  26. Caro Jorge, permita-me discordar. A semelhança é meramente superficial e claramente explicável como fruto de influência. Sua insinuação é vazia e sórdida, quando mais porque diversas vezes o próprio Olavo já postou comentários neste site usando seu próprio nome, e não há nenhuma razão plausível para ele se valer do subterfúgio do pseudônimo nesta situação em particular.

  27. Prezado Júlio,

    Começo a descobrir porque não se escreve nada de peso por aqui. Para escrever é imperativo saber ler. Como da minha sentença: “Júlio, terei imenso prazer em responder seu último comentário. Mas por favor, avise-me se você for editá-lo novamente, como, de fato, fez”, você depreendeu estupidamente que eu dizia que você havia editado o MEU comentário??? Claramente “editá-lo” refere-se a “seu último comentário”. Só não digo que é má-fé porque é tolice pura e simples mesmo.

    Ainda quanto a isso, não minta a seus leitores dizendo “Nunca alterei comentários”. Que você alterou o famigerado post que deu início à querela com o Olavo de Carvalho, suprimindo referências óbvias a ele, é algo sabido entre todos os seus companheiros de Dicta… Assim, deixa isso pra lá, meu caro.

    Já que citei o Olavo, permita-me dizer que a falta de criatividade de vocês é espantosa. Qualquer um que discorde do que você escreve é o “Olavo” ou parece-se com ele ou está a mando dele? Prezado Jorge, nutro um respeito muito grande pelo Olavo de Carvalho na mesma medida em que discordo frontalmente de algumas de suas afirmações, em especial sobre o que se produz na academia no Brasil (sou um acadêmico “clássico” com graduação, mestrado e doutorado e não posso concordar com este aspecto de seu pensamento sob pena de desmerecer o que eu mesmo faço). Nunca ouvi nenhuma de suas aulas (apenas o seu programa de rádio) e li, aqui e ali, algo de seus livros e artigos. Contudo, eu seria intelectualmente desonesto se não assumisse que o Olavo é um sujeito brilhante cuja erudição supera em muito a minha e, de certo modo, a comparação feita por você, Jorge, não deixa de soar a mim como um elogio.

    Júlio, prometo que este será o meu último comentário porque você é a prova material da minha tese exposta no meu primeiro comentário, a saber, que o sujeito dá um passo à frente da estultice e julga haver chegado no Panteão e, assim, acabou o motivo da minha participação. Além do seu patente problema com interpretação de pronomes, sinto-me na obrigação de fazer uma última nota sobre o que escreveu sobre Filosofia.

    Em primeiro lugar, o seu comentário sobre o fato de que em matéria de Filosofia tudo é opinável é de uma covardia tremenda. Cá entre nós, você sacou este arremedo de argumento só e somente só como a única resposta possível à minha sugestão sobre a tese de Friedman. Mais bonito e honesto seria se você (1) ou dissesse desconhecer qual seja a tese ou (2) a refutasse. Dizer que a tese exposta no livro não é unânime chega a me dar frêmitos. Nem Platão, Kant, Hegel, Frege, Husserl ou Wittgenstein o são… Mas pessoas sérias refutam argumentos. Leia o livro e veja se tem uma “opinião” melhor sobre o fato óbvio da gênese comum das duas correntes no bojo da Filosofia Contemporânea hipostasiada no Congresso de Davos. Até lá, você só mostra ser um diletante que adora apontar o dedo na cara de outros diletantes.

    Se sou eu a lhe avaliar, sua nota seria menor que 3,0.

  28. A Dicta pode consultar um filólogo para descobrir se Severino é Olavo. Relaxa Júlio. A única proposição válida no seu post e comentários é a suposta contradição entre filosofia acadêmica e de boteco. Acho que você não frequenta os botecos certo meu caro. O que a ciência deve a uma taberna e correlatos vale um níquel furado, mas vale. Estudar, fazer o trabalho árduo é essencial… Feliz nova dieta meu amigo. Acompanhada de um bom vinho é melhor ainda.

  29. Severino, eu ter errado ao interpretar sua acusação é um passo semelhante ao seu, de me tentar proibir de rever os meus próprios textos (veja abaixo, neste comentário, in fine, onde novamente toco no assunto). A provocação lançada nos seus comentários não está de acordo com a política de discussão do site: ou você discute serenamente, ou volta ao seu Friedman. Quem sabe aprenderá que teses historiográficas não são teses filosóficas. A diferença de método — que é a única coisa que eu defendi, de passagem, no meu comentário — entre analíticos a partir de Frege e continentais (pós-kantismo em filósofos alemães e franceses, especialmente a partir de Nietzsche e Heidegger) é, aí sim, um ponto indisputável. É opinável que teses defendidas por Derrida possam ser encontradas, sei lá, em Wittgenstein; mas que o modo de fazer filosofia de ambos é claramente distinto. Se quer defender teses contra evidências, você tem liberdade para tal. Mas a divisão entre os times no século XX, malgrado a suposta origem comum em Davos (tese de história social e política misturada a um pouco de história das ideias e da filosofia), é ponto de partida de qualquer um que tenha lido os autores. Basta cotejar textos e estruturas. Agora não me venha com Friedman, que ele nada diz a esse respeito. Para refutar uma tese historiográfica, eu teria usar historiografia; e o que há de filosófico nesse terreno, aliado ao estilístico e metodológico, é disputável. Se você tem frêmitos ou não, é problema seu. E esse não é o ponto aqui. Esse seu diletantismo — ainda mais vindo de um acadêmico nota dez — é o que surpreende.

    Quando ao Severino-Olavo, caros Jorge e Pedro, estava claro (i) que Olavo nunca faria isso e (ii) que sem provas nunca teria sentido acusar o Severino. Totalmente fora de contexto essa discussão.

    No mais, continuarei a rever os meus textos e comentários. O autor tem o direito de refinar o seu texto e expurgá-lo de erros. Como ninguém defende o contrário, só posso supor, Severino, que isso tudo não passe de provocação de quem não usou um único argumento aqui na sessão de comentários, com exceção da citação de Hegel e Friedman, e que depois me veio acusar de não argumentar.

    Tenha um bom final de semana, e dê adeus a essa vontade vazia de polêmica.

    PS.: Já expliquei mais ou menos vinte e cinco vezes porque excluí a referência ao Olavo naquele post: mudei o escopo da crítica para incluir toda uma cosmovisão comum na Internet, e não só no MSM e no Olavo. E outra, porque não quero me envolver em discussões com quem tem uma audiência e um objetivo muito diferentes dos meus. (Fora o fato de que nunca gostei de polêmicas entre pessoas; só me interessam ideias, como já afirmei muitas vezes.) Já o critiquei por ser agressivo, etc. Recentemente, ele mudou o tom, e tenho gostado mais. Mas estamos em esferas diferentes. Continuarei criticando o que me parecer digno de crítica, e a não “dar nomes aos bois” porque fui educado a fugir de picuinhas pessoais — e de virilidade imaginária — como o diabo foge da cruz.

  30. Julio, você concordaria, então, comigo, quando digo que o filósofo não precisa ser filólogo, mas necessita do trabalho desenvolvido por estes para fazer o seu?

  31. Sim, Bruno. Se e quando ele precisa se apoiar no trabalho de outros filósofos, especialmente os antigos. E isso quase sempre acontece, porque a filosofia se beneficia do debate prolongado entre gerações.

  32. Uma vez um precoce filósofo, por volta dos 30 anos, decidiu por em suspensão suas dúvidas angustiantes sobre questões sobre a natureza do bem e do mal, a existência ou não de um ser supremo criador do universo, a possibilidade do conhecimento objetivo, sobre se os conceitos universais tem consistência ontológica ou não, etc. Compreendeu que era vão especular sobre isso sem conhecer a opinião dos grandes vultos do pensamento filosófico que o precederam na História da Humanidade. Passou então os 20 anos seguintes a estudar as divagações de Platão, Aristóteles, Plotino, Aquino, Descartes, Kant, Hegel e Husserl sobre os temas até que, aos 50 anos, se deu conta de que não podia saber ao certo a opinião que estes filósofos tinham tido sobre as grandes questões filosóficas da humanidade sem primeiro tornar claro, exato e indubitável o que eles tinham dito a respeito destes grandes temas. Mergulhou então nos estudos filológicos. Só em cima de um único livro, “A Metafísica”, de Aristóteles, passou 05 anos numa rigorosa averiguação dos volumes de Bekker, Bonitz, Shwegler, Chist, Ross e Jaeger, bem como a respeito da maravilhosa biblioteca de estudos críticos sobre estes estudos. Quando terminou os estudos, sem chegar a grandes conclusões, descobriu que lhe escaparam novas especulações sobre a Metafísica de Aristóteles que vinham sendo desenvolvidas em Princeton, Cambridge e Munique. Bem como sobre a revisão crítica destes novos enfoques. Passou então mais 5 anos a incorporar os novos estudos. Prosseguiu nos estudos filológicos até os 65 anos quando descobriu que jamais se poderia falar sobre a verdadeira doutrina de Aristóteles ou a verdadeira doutrina de Platão, pois tudo o que se tinham eram interpretações filológicas eternamente sujeitas a novas versões. No ano seguinte, o filósofo morreu de câncer na laringe (tinha o hábito de fumar durante os estudos, embora nunca tivesse chegado a uma conclusão sobre se o cigarro era ou não de fato causa de neoplasias) e nada soube sobre a verdade ou sobre o que os grandes vultos do passado haviam pensado a respeito dela, e nada mais disse nem lhe foi perguntado.

  33. Os articulistas desistiram de escrever outros textos só porque este rendeu 37 comentários? Assim os posts novos demoram mais para sair que a revista impressa (que, aliás, ficou boa!).

    Mas vocês não vão se dar por satisfeitos tão rapidamente, não é? Ou vão?

    “Il faut travailler, beaucoup travailler, encore travailler, toujours travailler” – dixit Rodin!

    Abraços
    Juliana

  34. Ju, por incrível que pareça, a Dicta 10 (a próxima) já está dando trabalho aos outros colunistas, especialmente ao Joel. O gap não está justificado pelos comentários… Eu já tenho um texto longo a publicar; mas espero que cheguem mais colaborações. Quando tiver notícias ou mesmo artigos, mande para o meu e-mail; como colaboradora da Dicta, você está em casa. A citação está ótima. Abraços!

  35. Caro,
    fico feliz com a notícia e dou outra sugestão: façam posts mais curtos – divididos em “capítulos”-, mesmo que façam parte de um argumento só. Digo como leitora fiel da Dicta: às vezes é difícil ter tempo de ler um post longo demais, mas sempre se encontram 5 minutos para ler um texto conciso e inteligente!
    Abraços a todos e bom trabalho
    Juliana

  36. Ju, acabei de descumprir a sua sugestão… Mas pode ser uma boa ideia, que pretendo colocar em prática nos próximos. Obrigado!

  37. Pingback: Sobre o Mais Recente Melindre de Olavo de Carvalho | Ética | Diário Filosófico

  38. A propósito do texto do Adriano, que deve estar consciente disso, só lembro que minha tese de doutorado defendida em 2011 é essencialmente na área de filologia; e que consultar edições individuais das obras, e mesmo de fragmentos de poucas linhas, é o dia-a-dia de um filólogo ou mesmo de um pesquisador que precise de algum rigor filológico.

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