9 comentários em “Para quê serve a literatura?

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  2. Não há dúvida. Lembro uma vez, quando tive que escrever uma dissertação sobre a chamada Escola de Frankfurt, foi mais útil ler Robert Musil, para caracterizar certos aspectos do mundo moderno, do que qualquer manual de filosofia.

  3. Pra quê ir tão longe?

    Por que não foi anunciado o novo projeto “Em Busca da Prosa Perdida”, do escritor Antonio Fernando Borges, aqui no site da Dicta?

  4. Em “História. Ficção. Literatura”, Luiz Costa Lima propõe uma reflexão erudita e inteligente acerca do tema. Sem entrar aqui no mérito de seus pressupostos e teses – o que implicaria uma discussão e capacidade de síntese muito por cima de minha cabeça – é possível aprender consideravelmente a respeito dos usos e modos de usar da literatura nesse livro de 2006. Ajuda, por exemplo, a nortear a reflexão apontar com LCL que a “literatura” de que tratamos pode ser conceito mais ou menos abrangente, dependendo de como nos situemos com relação ao que seria uma linha de corte traçada no romantismo, quando Schlegel afirma depender ele (o conceito de literatura) de algo externo à literatura, ie, da história e da história da literatura ela própria. Em Schlegel, “literatura” é aliás entendida em sentido o mais amplo, pré-romântico até. Lida com essa chave, porém, a partir do romantismo a “literatura” é conformada a um modelo que a subordina crescentemente a “fatores condicionantes” (LCL) de viés historiográfico. Na América Latina em geral, isto desembocaria no século XIX em uma “concepção documentarista” do que é propriamente literário. E de maneira geral, assiste-se em toda parte e sobretudo no século XX a um gradual descolamento entre a) literatura e b) conhecimento que não seja o do circuito sócio-histórico no qual ela se inscreve.

    Pois bem. Alternativamente a esse modelo, sugere LCL, é possível refinar o conceito de literatura, sem pretender “separar totalmente as escritas da história e da ficção”, mas também sem recair na conhecida “desqualificação da história como narrativa” associada a Barthes, nem reduzir Proust, digamos, a documento de época. Nem tampouco ainda chancelar sem qualificações, por exemplo, a percepção de Walter Benjamin acerca da prosa de Kant como “prosa de arte”. LCL consegue distinguir história e reflexão crítica de “ficção” (em sentido amplo, ainda que esquemático: http://www.perigee-art.com/ ), numa perspectiva que inverte aquela subordinação conceitual derivada do Schlegel. E faz isso modestamente, partindo do lado da história, com a ajuda de Paul Ricoeur. Este enxergou na “operação histórica” três fases; uma “documental”, outra “explicativa/compreensiva” e finalmente uma terceira, “representativa”, que consiste, aí sim, na “formalização literária ou escritural do discurso” elaborado nas duas fases anteriores. LCL entende que essa redução conceitual, bastante sensata, alinha-se com uma perspectiva herderiana da realidade, “múltipla e composta de tempos diversos”, arredia ao “monopólio na modernidade do discurso científico”, discurso que levaria à eleição de apenas “uma modalidade de tratar dela”, realidade, como “legítima”. E talvez por esse caminho seja ainda possível operar com a noção de literatura como campo discursivo próprio, resguardando a legitimidade de outros campos discursivos.

    Para quem deseja usar agora uma chave filosoficamente informada pela revelação cristã, indissociável portanto das noções de cosmos criado e de homem “imago Christi”, quem sabe essa possibilidade de distinguir conceitualmente história, reflexão crítica e “ficção”, evitando por outro lado desenredá-las por inteiro, faz vislumbrar ao menos um interesse em conectá-las com uma realidade objetivamente existente – por meio do conhecimento, por meio da sabedoria. Interesse que pode ajudar a descongestionar artérias bloqueadas por condicionamentos historicistas e hábitos afins, como o “documentarismo” obssessivo que esteriliza a leitura dos grandes autores do canon. Recuperando na contramão alguma coisa do elegante artigo no City Journal, restaria inclusive supérflua a necessidade de comparar Freud e Shakespeare. Mesmo que o primeiro não faça “literatura” (e numa perspectiva humanista pré-romântica ou antiga a distinção não se colocaria de modo idêntico, mas aí é outra história, outra conversa), ambos podem servir à necessidade (platônico-agostiniana?) de enxergar “no coração das coisas”, fora da caverna, com olhos gradualmente aptos a ver o sol.

  5. Uma resposta mais direta é a de C. S. Lewis no seu “Experiment in Criticism”, já lembrado aqui neste site.

    Perguntar para que serve a literatura tomada no sentido mais amplo, humanista à maneira antiga, é como perguntar qual o sentido de ouvir o que alguém diz. E este sentido não será necessariamente e em todos os níveis de leitura a celebração da verdade última sobre a existência, ou uma ajuda ao seu enriquecimento cultural.

    Tomada no sentido mais estrito, adotado no artigo do City Journal, complica-se a questão, mas ajuda enquadrá-la pensando que uma obra literária é tanto logos (algo dito) quanto poiema (algo feito). Ela significa, diz Lewis, mas ela também simplesmente é. Poiemas que nos agradam nos dão prazer, como um objeto de arte.

    Neste segundo registro, pensar a respeito do uso da literatura pode ser então refletir sobre o tipo de prazer que ela pode proporcionar. Diferentemente, digamos, do prazer associado à goiabada com queijo, o literário e a reflexão a seu respeito enlaçarão poiema e logos.

    E sempre neste registro mais definido, a marca do que é “literário” (por oposição ao científico ou meramente informativo, aponta Lewis) é que não precisamos “acreditar [no] ou aprovar o Logos” do poiema com o qual travamos contato. Mesmo tendo presente que o Poiema deriva “de nossos vários interesses no Logos”.

  6. Na mesma D&C 3, Pedro Sette Câmara resenha “Mimesis & Theory”, de Girard. Link abaixo; e excerto do último parágrafo.

    http://www.dicta.com.br/edicoes/edicao-3/livros/

    “Duas coisas acabam chamando a atenção na leitura de Girard: primeiro, que, ao contrário de boa parte da crítica, ele não se esquiva do mundo da vida.Em vez de circunscrever-se a um suposto mundo isolado das obras literárias, Girard o tempo inteiro considera que elas se referem a experiências humanas possíveis. Sua tese inicial, aliás, não é literária, mas psicológica ou antropológica; é uma tese sobre um aspecto do desejo, não das obras de arte. Segundo, pode-se dizer que ele inverte a tendência de certa crítica contemporânea de querer considerar-se também ´arte´ ou ao menos atividade criadora, pois Girard vê-se não como o crítico que interpreta obras artísticas, mas como o intérprete de obras artísticas que contêm – não apenas sob a forma de exemplos, mas de comentários diretos – teorias sobre o desejo. É a arte (…), por fim, que se transforma em ´crítica´ do ser humano.”

  7. Bom, primeiro acho melhor colocar cada macaco em seu galho. o discurso humano têm várias potências, sendo o literário uma dessas. Acredito, sobretudo, que seu grande valor esteja não esteja propriamente em dar certo tipo de prazer àqueles que lhe prezam, senão o de trabalhar suas sensibilidades ante a vida demasiado complexa. As imagens que produz não estão circunscritas unicamente à razão e nos afetam profunda e intimamente. A grande literatura reflete essa complexidade da vida (v.g., um Shakespeare, um Rosa, etc), não a simplifica indevidamente, nem a banaliza; em verdade, não substitui a ciência ou a filosofia, fornece-nos, isso sim, sensibilidade para não cairmos em simplismos explicativos ou sermos pessoas simplórias.

    Abraços a todos!

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