Quer conhecer o mundo de hoje? Ou: como evitar o egocentrismo cognitivo

Então leia os grandes livros de ontem. E quando falo em grandes, digo literalmente: aqueles livros enormes, impossíveis de carregar e de levar no metrô, no ônibus, na rua, que você só pode ler em casa, apoiado na mesa, sentado numa poltrona confortável. Pelo menos é o que Peter J. Dougherty, diretor da Princeton University Press, acredita em seu A Manifesto for Scholary Publishing.

Como todos sabem, o scholar é quase uma instituição que abunda nos EUA e na Europa, mas inexiste nestas plagas. Até sua tradução é equivocada: chamam-no de “erudito” ou “estudioso”. O scholar não é nada disso. A sua definição mais aproximada é a do spoudaios aristotélico, i.e: um homem (ok, também pode ser uma mulher…) que, ao estudar vários ramos do conhecimento, consegue dar-lhes uma unidade e transmiti-la de maneira compreensível para seus alunos, para que estes também possam ensiná-la sem qualquer prejuízo de comunicação. Para isso, o scholar precisa ter uma experiência concreta não só da sua própria vida, mas uma imaginação aguçada para entender outras experiências e assim compartilhá-las com o resto da sociedade.

A vantagem do scholar é que, apesar de não saber sobre tudo (ou melhor, seu conhecimento abarca uma aproximação de totalidade), ele pode sentir à distância certos erros que são dados como verdade pura e simples por uma mídia totalmente abobalhada por estímulos contraditórios – e que, com isso, causa a mesma reação a uma casta aparentemente lúcida da sociedade.

Talvez a maior prova disso seja a anatomia em praça pública que Richard Landes, scholar de renome sobre movimentos milienaristas, faz de Fareed Zakaria, jornalista que não passa de um pastel ambulante de idéias já expostas e mastigadas pelos seus companheiros de propaganda (sorry, de mídia). Recentemente Zakaria publicou O mundo pós-americano, uma bobagem sem tamanho que copia algumas idéias de Samuel Huntington (um scholar que tem os seus problemas, mas que, sem dúvida, fazia parte dessa seleta turma), mistura pitadas de wishful thinking e voilá – estamos nesta situação de “apaziguamento” que, na verdade, me faz lembrar o que Neville Chamberlain fez com Hitler: acalmar a fera até deixá-la atacá-lo de vez.

Landes mostra, usando somente as armas do scholarship, que Zakaria não passa de um garoto propaganda do “egocentrismo cognitivo liberal”* e que os fundamentos de seu raciocínio a respeito deste pacífico país chamado Irã estão todos errados.

Querem uma prova? Como diria um amigo meu: Quem viver, verá.

* O termo é, como o leitor perceberá, do próprio Richard Landes, mas deveria ser usado e abusado porque identifica perfeitamente a atitude e o pensamento de alguns jornalistas brasileiros (e internacionais, é claro).

4 comentários em “Quer conhecer o mundo de hoje? Ou: como evitar o egocentrismo cognitivo

  1. Também acho muito importante aprender a reconhecer um scholar quando existe algum perto de nós. Bruno Tolentino dizia que somente o talento reconhece o gênio. Será que além da escassez de gênios o Brasil de hoje também padece de uma paupérrima expressão de talentos?

  2. O Brasil não propícia (nem aprecia) uma geração de scholars… E quando aparece algum talento, não o reconhece. Somos imediatistas na prática e embora tenhamos as promessas do elefante azul (ou seria vermelho) para o longo prazo de que o sistema educacional no Brasil melhorará, sabemos que a verdade é bem outra. No comments about “cotas”.

    Do lado de professores e do lado de alunos, meritocracia inexiste aqui no Brasil.
    Somos de um país que infelizmente incentiva a fuga dos cérebros (não estou nem falando de verdadeiros gênios).

    Ótimo post, Martim.

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