Diamond Dogs

Sim, leitor, agora que volto de férias em pleno reino dos Diamond Dogs e dos Smierdiakovs que governam nosso país recheado de Festival de Besteiras que assolam nossa consciência, vamos ver o que fiz durante este meio e o que interessa ao seu próprio interesse que, geralmente, não é o mesmo que o meu (e thanxs God a isso):

– Quer saber como um terrorista é um estúpido? Então assistam Carlos, o épico disfarçado de mini-série de Olivier Assayas, de seis horas, e que conta minuciosamente a história de O Chacal, um dos maiores filadaputa que já passaram pelo mundo. Interpretado com força por Edgar Ramirez, o filme assusta por mostrar criminosos andando calmamente nas ruas, tomando drinques com policiais que deveriam prendê-lo, farreando sem que ninguém o perturbe. Já vimos este filme antes, não?

– Tudo bem, comecei pesado, correto? Então vamos de Morangos Silvestres, de Ingmar Bergman, que assisti por esses dias. Todos nós somos Victor Sjostrom. Achamos que seremos uma grande coisa quando na verdade descobriremos que seremos medíocres até o talo. O que sobra é a redenção dos pequenos gestos, o milagre dos detalhes que jamais percebemos em nossas vidas.

– No Natal, li as biografias de David Bowie e de Keith Richards. A primeira é de um amadorismo terrível; a segunda é de um tédio que nos deixa irritados. Então a vida destes sujeitos é só isso: drogas, drogas, alguma música, mais drogas, um pouco de sexo atrapalhado, mais drogas? Sim, é só isso. Então desculpa aí que a vida real é mais divertida.

– Para não dizer que cai ontologicamente nas coisas que leio, li também Os irmãos Karamazov, do bom e velho Dostoievski. Em verdade, em verdade vos digo meus amigos: o segredo último da vida se encontra nos Evangelhos, na Divina Comédia e nas páginas finais dos Karamazov.

– E por falar em segredo último da vida, fomos ver o último do Clint Eastwood, Hereafter. Não é um dos seus melhores lances – a cena final parece ter sido imposta por Spielberg. Mas a seqüência de doze minutos com Matt Damon e Bryce Dallas-Howard é a prova de que o homem continua um dos maiores diretores do mundo. Aquilo é de uma dor profunda, de uma tragédia que borbulha silenciosamente, que não há como ficar impassível. Além disso, há comentários engraçados sobre o multiculturalismo na Europa e a mídia atéia na França que observamos com ironia nos lábios.

– E sobre o Belas Artes: fecha logo, por favor. A última vez que fui lá, há cerca de dois anos, respirei ácaros que vinham do carpete e do ar-condicionado. Não era cinema, era um muquifo. E muquifos devem ir para o brejo – que é a mesma coisa que tombamento aqui no Brasil.

– A tragédia da serra carioca e as enchentes em São Paulo só mostram uma coisa que a mídia tenta esconder, mas não consegue: o Estado faliu, meus amigos. Consegue apenas manter uma aparência de vida. Vive às custas da entropia que o come internamente. Recomendo sem problemas aquilo que Thoreau chamava de desobediência civil. É a única forma de colocar as coisas nos eixos.

– E a mídia – especialmente a Folha de São Paulo e a revista piauí – insistem em afirmar que Reinaldo Moraes e seu Pornopopéia é a nova obra-prima volumosa e revolucionária da nova literatura brasileira. Não é. Tentei ler cem páginas de palavrões desordenados e fiquei bocejando. No Brasil, deboche é tratado como genialidade. Não é, nunca foi. Quer saber o que é deboche, leia Mencken e Thackeray. Que eram gênios, por sinal.

14 comentários em “Diamond Dogs

  1. Se tivesses dito que “o segredo último da vida se encontra nos Evangelhos, na Divina Comédia e na vida do stárets Zósima, lá no meio dos Karamázov,” eu entendia.

    “a cena final parece ter sido imposta por Spielberg”

    Não vi ainda o filme, não sei como é a cena, mas sei que o velho Eastwood, excelente como seja, não resiste a descer e dar pelo menos um rasantezinho no cinemão aqui e ali: o destaque (clichê) à reação da menina na leitura do testamento em Gran Torino, a última frase (clichê) da mãe em A Troca, a entrega do ingresso (clichê) em Invictus, a boxeadora bandidona (clichê) em Menina de Ouro… Parece algum Aleijadinho ianque metendo essas deformidades em sua arte deliberadamente.

  2. Mas vc não considera o Chacal um gênio do crime?
    Na verdade um sujeito da mesma estirpe de Spartacus, e outros fora da lei notáveis, que se notabilizaram por suas escapadas geniais

  3. Martim,

    A leitura da biografia de um roqueiro pode ser uma tarefa mortalmente tediosa, mas a vida deles, com certeza, não é. Duvido que eles trocariam a “vida real” pela deles.

  4. Leio com cuidado não só post, mas também os comentários, quase sempre muito bons. Porém estes me deixaram um pouco confuso.
    Não entendi a do Guilherme Q. em querer por a vida do personagem secundário Zózima no lugar da totalidade do livro “Irmãos Karamazov” na exemplificação feita pelo Martim.
    Também não entendi a do Márcio colocando o reles bandido solitário Chacal no mesmo nível do líder de massas Spartacus. Este não ficou famoso por uma “fuga espetacular”, mas pela bravura pessoal, por golpes táticos militares engenhosos, dígnos de um grande general, e, sobretudo, por liderar uma luta desesperada pela liberdade contra o império mais poderoso da terra, infligindo-lhe humilhantes derrotas até ser vítima da traição de piratas subornados.
    Também não entendi a do Ricardo em achar que uma vida maluca autodestrutiva, que nada adiciona às demais, é melhor do que a vida construtiva (e na maioria dos casos feliz) das pessoas comuns. O fato dos biografados terem preferido a vida que tiveram mostra apenas que eram porraloucas infelizes e desajustados.
    Apesar do estilo irreverente, o que o Martim falou está correto; especialmente no destaque que deu aos Irmãos Karamazóv e à Feira das Vaidades, livros que li há mais de 30 anos e cuja maravilhosa 1ª impressão não quero estragar com uma releitura.

  5. Caro Virgílio
    Carlos o Chacal não foi um reles bandido, mas um revolucionário de esquerda;

    Sequestrou 11 ministros de países membros da OPEP, uma ação ousada que significou um golpe no coração do capitalismo
    Radicou-se em Londres, onde estudou na

    Universidade Stafford House Tutorial
    Foi o inimigo das principais polícias secretas do mundo….(um reles bandido?)

    No máximo eu admito que a comparação com Spartacus não é paramétrica: Este deve ser comparado com Fidel, por ter sido um líder de massas e que igualmente atacou um império.

    Chacal foi como Jesus Cristo…

  6. Virgilio,

    A vida da maioria das pessoas comuns não é feliz e construtiva. É simplesmente tediosa. A vida de um rockstar pode parecer maluca e audodestrutiva do nosso ponto de vista. Mas creio que, para eles, seja uma festa que nunca termina. Eu nunca ouvi um deles dizer que, ao invés de ser um estrela, preferia ter sido um contador, um médico ou engenheiro.
    É por isso que eu acho que, mesmo com todos malefícios que uma vida desregrada pode trazer, eles jamais a trocariam por uma vidinha comum.

  7. Amigo Márcio:
    O problema é que você exagera no valor dos feitos dos seus heróis e faz com eles comparações indevidas. Ser “revolucionário de esquerda” não faz de ninguém herói: Stalin e Henver Hoxha (não sei se a grafia do nome albanês está certa) também foram!
    O sequestro dos ministros da OPEP não desferiu golpe algum no capitalismo, e a comparação do Chacal com o Fidel é absurda pelos mesmos motivos da comparação dele com o Spartacus. Quanto a compará-lo a Jesus Cristo, nem vou falar…

    Ricardo: como é que vida da maioria das pessoas comuns não é feliz e construtiva? No quesito “felicidade” basta fazer uma enquete, e no quesito “construtiva” basta perguntar quem constrói as civilizações.
    Quanto a vida dos superstars é uma opção deles e gosto não se discute, mas considerá-los heróis pelo seu desregramento, e não pela contribuição que deram à humanidade, é demais!

  8. Prezado Virgílio, permita-me que eu me explique: Chacal foi como Jesus, porque atuou subversivamente contra o imperialismo de seu tempo; Ambos só foram capturados por causa de delação: Se vc acha que Cristo não se notabilizou por escapadas, volte a ler o evangelho ok?

    A vida de ambos inspirou criação literária: sobre Cristo temos os evangelhos; Sobre o Chacal, temos a obra de Frederick Forsyth,
    um abraço

  9. Virgílio,

    As pessoas costumam mentir em enquetes, se você não sabe. No quesito “felicidade”, por exemplo, há pouco tempo o Rio foi considerada a cidade mais feliz do mundo. O povo levando bala perdida na testa e sorrindo? Tá bom.
    Pessoas comuns não constroem civilizações. Podem, isso sim, mantê-la, se levarem suas vidinhas comuns dentro dos limites estabelecidos. Mas quem constrói é uma elite.
    E não, eu NÃO cosidero os rockstars como heróis, de forma alguma. Apenas fiz uma comparação.

  10. Bem, EU quero ser feliz levando minha vida como um projeto de crescimento para mim e para os outros. Subjacente a este plano está um juízo de valor, se não percebem. Quer dizer que autodestruição hedonista está descartada. Que rodar em falsos círculos de prazer é coisa errada.
    Agora, se VOCÊ admira uma vida de drogas e sexo desregrados, VOCÊ vai responder por isso. VOCÊ é responsável e responde por isso a sua consciência e ao tribunal transcendente de Deus.
    “Ah, mas os roqueiros não trocam sua vida por ‘vidinhas’ ” Alguém se acha mesmo resenhista de vidas humanas? Sim, o povo mente sobre sua felicidade. Que minta, mas não sejamos nós a desmascará-los enquanto ficamos com nossa máscara. Não querem trocar? Que não troquem e também por isso respondem.
    Quanto ao cara ser um “gênio do crime”. Elogio anti-imperialista a essa altura do campeonato é dose. A Cristo então, nem vou comentar. Nossa presidente, então, se torna um grande ser humano, com o perdão do termo.

  11. Caro Martim
    Não me espanta nada você afirmar que “o segredo último da vida” está nas páginas finais de “Os Irmãos Karamazov”. Pois está. O interessante é que isso me foi dito por um desconhecido no Sebinho da 406 Norte (sim, em Brasília), em 1994, quando ele me viu folheando o tal volume. Fiquei tão impressionado com o olhar dele, com sua aparência de estar aí pelos cem anos de idade, e com a ênfase empregada ao me dizer exatamente o que você escreveu – “o segredo da vida está nesse livro” -, que não pensei duas vezes e o adquiri.

    Aliás, “Crime e Castigo” deveria se chamar “Crime, Castigo e Redenção”. Se bem que isso seria contar o final, né… Que fique como está. :)
    Abraço!

  12. Helder,
    Você disse ao Márcio e ao Ricardo, de uma forma brilhante, o que eu diria de uma forma medíocre. Mesmo assim, creio que me compete dizer aos prezados amigos uma ou duas coisas.

    Márcio: desculpe-me. Eu pensava que Jesus tinha se notabilizado por criar uma grande religião, que mudou a face do mundo, e não por “fugas espetaculares”
    ou por “lutar contra o imperialismo romano”.
    Aliás, leio muito os Evangelhos e não sei que fugas foram essas nem qual foi a luta dele contra o “imperialismo”.
    A fuga para o Egito, quando ele era bebê, foi feita por José e Maria e não teve nada de espetacular; mesmo que tivesse, o bebê Jesus não teria nenhum mérito nela.
    Também não descobri nos Evangelhos a luta dele contra o imperialismo romano. Aliás, aos que queriam implicá-lo nessa luta ele respondeu: “Dai a César o que é de César”! Que luta anti-imperialista é essa, que manda dar ao opressor o que ele requer?

    Ricardo: Não creio que as pessoas mintam nas enquetes. Se mentissem, ninguém contrataria instituto de pesquisa para coisa nenhuma.
    A resposta dos cariocas em defesa da felicidade que sente e de repúdio às “balas perdidas” está no voto dado ao Lula e ao Cabral nas últimas eleições (contra o meu parecer).
    Quanto a sua afirmação de serem as elites, e não as pessoas comuns, os construtores das civilizações, você está em boa companhia: Carlyle, Emerson, Toinbee, e muitos outros; mas isso é coisa que não encontra apoio na realidade.
    A quase 2.000 anos o imperador Adriano dizia que era o comércio, promovido por uma multidão de mercadores anônimos, quem “civilizava os homens”!
    Diga-me, pois, caro Ricardo: foram as elites feudais ou foi a multidão anônima de pequenos comerciantes da Idade Média quem fez a gigantesca “Revolução Comercial”, da qual resultaram as grandes navegações, a Renascensa e a Revolução Científica?
    Diga-me também: foram os snobs Lords ingleses ou foi a multidão de pequenos artífices, transformados em industriais pela máquina a vapor, quem fez a “Revolução Industrial”, da qual resultou a civilização moderna?
    Finalmente, esclareça-me se foi a elite americana da Park Avenue, podre de dinheiro e de empáfia, ou se foi a modesta rapaziada suburbana, trabalhando em garagens de casas de classe média, quem criou a nossa atual civilização cibernética?
    Se você me provar que foram as elites quem criou tudo isso, genericamente chamado de “civilização ocidental”, eu me mudo para a Arábia Saudita!
    Grande abraço

  13. Caro Virgilio,

    As pessoas não costumam mentir quando as questões são números (no caso do censo) ou mesmo quanto a candidatos políticos. Mas quando o assunto envolve sentimentos, tais como medir a taxa de “felicidade” ou de “satisfação sexual” elas mentem sim, e muito. Ninguém vai admitir para um estranho que sua vida, em geral, é uma droga. Muito menos que é medíocre na cama.
    Quanto à questão das elites, bem… acho que você pode adiar sua mudança para a Arábia Saudita. Você realmente me deixou pensando.

    Abraços

  14. Ainda bem, caro Ricardo.
    Já estava com medo que você viesse com um monte de provas e eu tivesse que ir viver com aquela “esclarecida” turma de wahabitas.
    Mas o importante, amigo, é que estamos lendo a Dicta&Contradicta e não vamos deixar a peteca cair e a burrice imperar.
    Faça uma visita ao meu blog, virgiliocamposhistoriaantiga.blogspot.com
    Ele é um dos lugares onde curto a velhice e a aposentadoria.
    Grande abraço

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